A ameaça da resistência aos antimicrobianos para pessoas vivendo com HIV: o relato de um médico na linha de frente
14 November 2024
Dois gráficos, duas linhas. No primeiro, observa-se um declínio constante. No segundo, há uma queda acentuada seguida de uma tendência de queda gradual. A primeira linha representa o número estimado de pessoas que se infectaram recentemente com HIV na África do Sul, apresentando uma redução de 57% desde 2010. A segunda linha representa o número estimado de mortes por AIDS no país, que teve uma redução de 70% desde 2010.
Fonte: https://cfs.hivci.org/index.html
Os avanços contra essa doença mortal na África do Sul são impulsionados, em grande parte, pelo acesso gratuito a medicamentos antirretrovirais, que começou no início dos anos 2000 para determinados grupos populacionais e, desde 2016, para todas as pessoas que vivem com HIV no país.
No entanto, avanços futuros estão sob ameaça.
“A resistência aos antimicrobianos (RAM) é um dos principais fatores que podem atrasar o progresso dos pacientes com HIV. Ou seja, agora temos medicamentos contra o HIV, mas esse não é mais o fator limitante. Uma das causas de um possível retrocesso é a RAM”, diz o Dr. Jeremy Nel.
Jeremy entende bem essa realidade. Como chefe do departamento de infectologia do Hospital Helen Joseph, em Joanesburgo, na África do Sul – um dos maiores hospitais da cidade e uma das maiores clínicas de HIV do mundo –, ele trata pacientes com HIV, tuberculose e outras doenças transmissíveis todos os dias.
A RAM pode afetar as pessoas que vivem com HIV/AIDS de duas maneiras. A AIDS é causada pelo vírus da imunodeficiência humana, ou HIV, que pode desenvolver resistência à medicação antirretroviral de um paciente, especialmente se esse paciente não tomar a medicação regularmente. A resistência aos medicamentos contra o HIV – como é chamado esse tipo específico de resistência aos antimicrobianos – pode se desenvolver em um paciente e ser transmitida entre pessoas infectadas e sexualmente ativas ou da mãe para o seu recém-nascido.
Além disso, as pessoas que vivem com HIV/AIDS também são particularmente vulneráveis à RAM bacteriana. Elas correm um risco significativamente maior de contrair infecções bacterianas graves, uma das causas mais comuns de morte entre pessoas que vivem com HIV no mundo todo.
Pessoas soropositivas visitam as unidades de saúde com mais frequência, onde correm maior risco de contrair infecções bacterianas graves. Seus sistemas imunológicos estão mais debilitados, o que torna essas infecções mais comuns. E, ao serem tratadas com antibióticos, a medicação antirretroviral pode ter sua eficácia diminuída, favorecendo o desenvolvimento de resistência.
“A RAM sempre foi um problema, mas está se tornando mais grave. A resistência aos antibióticos e aos antifúngicos, tanto para uso em pacientes com HIV quanto para outros pacientes, vem se agravando visivelmente. No hospital onde trabalho, estamos começando a ver pacientes com infecções para as quais simplesmente não há tratamento eficaz, o que não acontecia cinco anos atrás”, diz Jeremy.
“Um dos grandes desafios com a resistência aos antimicrobianos é que ela é sempre progressiva. Você quase nunca consegue reverter a situação. Na melhor das hipóteses, é possível estabilizar e desacelerar a situação, mas quase nunca é possível recuperar um antibiótico, por assim dizer. Ou seja, é um processo implacável, e contamos com cada vez menos opções disponíveis”, completa Jeremy.